Eis que lancei um livro, e a sensação é estranha.
Um jeito metafórico e simples de dizer que a arte que fazemos é do mundo, mas que o artista também é.
É estranho lançar um livro. É sempre estranho.
Para pensarmos sobre, permita-me oferecer um breve contexto: estou lançando uma romantasia sáfica chamada “A Conquistadora de Estrelas” que conta a história de uma pirata, uma estrela cadente e uma ampulheta que tem o poder de destruir a realidade como conhecemos.
É fácil resumir desse jeito, agora que o livro está pronto, editado, e cheiroso.
(Sim, ele vem com barquinho de papel, na última página. Mapa também. E eu escrevi algumas músicas que estão disponíveis na edição também.)
Só que tudo começou com um “E se eu escrevesse um romance com uma estrela cadente? E se a protagonista fosse a irmã mais nova do personagem de outro livro? E se eu misturasse o conceito filosófico do mundo das ideias com a percepção distorcida do tempo da nossa sociedade atual?”
“E se” é uma expressão que possui apenas 3 letras, e assim como “mãe” e “céu”, guardam o infinito. Diferente da nossa mãe e dos astros, é um infinito que a gente pode controlar.
E é aí que o processo começa a ficar estranho.
Eu não digo que escrever é um processo solitário, pois me sinto extremamente bem acompanhada das minhas ideias e dos personagens, mas é inegável o quanto é introspectivo.
Dando como exemplo esse lançamento mais recente, fiquei anos com essa ideia flutuando entre a minha mente e a compreensiva e paciente tela do computador. Foi um processo intenso, e só meu por uns dois anos.
Eu sentia que estava moldando nuvens e congelando o vento para que permanecessem semelhantes a minha imaginação. O processo de escrever e criar uma história me lembra a sensação de pintar com uma tinta molhada que nunca seca, sempre misturando com outras cores, disposto a ser alterado, escorregadio, abstrato e fascinante. Comigo, essa sensação permanece até a etapa de preparação de texto.
É quando eu sei que a história está deixando de ser minha, quando as ideias passam a efervescer na mente da minha agente e da minha editora e eu simplesmente me torno uma inventora de filme de ficção científica torcendo para minha criatura ganhar vida.
“It’s alive!”, eu quero gritar quando recebo um feedback positivo ou quando vejo que alguma das minhas maluquices criativas funcionou em uma cabeça diferente da minha. E sempre é bom referenciar Mary Shelly, certo?
Depois das alterações necessárias, começa a parte artística, e uma das que eu mais me divirto. Penso nas cores, na capa, nos detalhes gráficos da edição e aqui eu sou uma grande embaladora de presentes, daquele tipo que faz dobraduras incríveis com papel estampado bonito e coloca um laço enorme no final. É o jeito que tenho de embalar a história e comunicar visualmente o que deve acontecer ali dentro.
E meu controle, praticamente, acaba ali.
Depois de todo carinho e doação, a história vai ser lançada e tenho que aceitar que ela não me pertence mais. Que é do mundo. Que cada leitor tem o direito de ler do jeito que quiser e só cabe a mim torcer que o livro encontre os leitores que irão ressoar da melhor forma possível com ela.
É aqui que deixo de moldar as nuvens, mas ainda as assisto passar como se meu olhar fizesse alguma interferência.
Subitamente, o processo que era introspectivo passa a ser um fenômeno coletivo, do qual >eu<, a autora, por incrível que pareça, não. faço. parte.
Mas como posso não fazer parte de algo que é parte de mim? Como tenho que processar todo o desapego criativo diante de algo que exigiu tantas horas, perguntas e busca por respostas por anos a fio?
Se fosse uma ciência exata, não seria arte.
Observo tudo, certa de que dar um passo para o lado e deixar o caos espontâneo tomar forma é o melhor movimento possível.
Percebo então que a pintura que fiz, era na verdade um quebra cabeça que precisava de mais milhares de corações para tomar forma.