Eu não sabia que garotas podiam tocar guitarra - a construção do feminino através das histórias
Como tocar um instrumento pode alterar a percepção de quem você é no mundo.
Será que quem nos tornamos só existe por causa daquilo que conhecemos?
O ano era 2003 e eu tinha 12 anos recém completados, estava naquela idade esquisita onde gostava muito mais das atividades de criança (como brincar de alerta cor e pique-alto), mas já tinha cólicas e entendia que me tornaria uma adolescente oficialmente no ano seguinte.
Admito que gostava da essência rebelde que vinha com esse marco, e das coisas que poderia fazer pois estava mais crescida. Contudo, assim como muitas outras garotas da minha geração, eu cresci me projetando nas princesas da Disney.
Era muito fácil definir minha personalidade: Bela para leitura, Mulan para a determinação, Ariel para sonhar acordada e Meg para todo o resto (se por um acaso pensou “ah, a Megara de Hércules não é uma princesa, talvez o que eu escrevo não seja para você.).
Eu queria ser uma princesa decidida, linda, culta e sarcástica. Eram as opções que a mídia tinha me apresentado, e estava satisfeita com elas.
Até o dia em que assisti “Sexta-feira muito louca", com a proposta revolucionária da troca de corpos entre mãe e filha com personalidade totalmente opostas. Assistir e re-assistir esse filme foi um dos grandes momentos nas minhas tardes solitárias, acendendo em mim um desejo flamejante: tocar guitarra.
A última cena do filme, onde a Lindsay Lohan usava um vestido lilás lindo com uma guitarra em mãos, despertou um novo traço adormecido em quem eu gostaria de ser, pois eu nunca tinha imaginado na possibilidade de uma garota tocar esse instrumento.
Foi a aurora da minha fase Emo, que veio nos anos seguintes ao ser uma adolescente fã de Avril, Linkin Park, System of a Down, Shamaan e Evanescence, mas isso é história para outro momento.
Fiz o que toda filha caçula faria, corri aos meus pais e pedi por uma guitarra com os maiores olhos do mundo, explicando com detalhes porque eu precisava a qualquer custo ser tão maneira quanto a personagem do filme.
Não imagino o espanto deles ao ver sua princesinha da Disney querendo virar uma rock star, e eles só falaram que não, pois era caro e eu estava apresentando uma vontade passageira.
Spoiler: a vontade não passou.
Aos 15 anos, comecei a namorar quem? Um guitarrista. E ainda por cima tinha a voz linda, cantava, tocava violão e tudo mais que uma jovem podia querer no seu primeiro amor. (Spoiler: estamos casados hoje em dia).
Você pode pensar: “Que legal, agora você começou a tocar guitarra então!”
Pior que não, e é aí que a história fica mais interessante.
Gimmy, meu digníssimo, se ofereceu algumas vezes para me ensinar, mas eu preferia vê-lo tocando, assistir seus shows e estava perfeitamente feliz sendo sua fã. Acabou que descobri que a guitarra era pesada, as cordas machucavam a ponta dos dedos, fora a posição nada anatômica que eles precisava ficar para soar um simples “Dó”. Meu sonho, deu marcha “ré” (eu me desculparia da piada infame, mas não vou.)
Não foi até meu aniversário de 20 anos (que caiu em uma Páscoa, não que isso seja relevante, mas foi esquisito ganhar ovos de presente), que a vontade de tocar um instrumento voltou.
Dessa vez, porque vi um clipe da Taylor Swift tocando violão, e nem preciso dizer que ela parecia um anjo do country com o instrumento em mãos e um vestido bonito no corpo.
Talvez, meu amor por instrumentos seja culpa dos vestidos. Vai saber.
Eu cismei, faltando 3 dias para minha festinha, que queria tocar “Back to december”. Gimmy disse que eram poucos acordes e bem fáceis, eu podia ter dificuldade com a pestana, mas isso era normal no início. Meus amigos, por 72 horas eu só pratiquei, na intenção de viver um milagre de filme e de apresentar para meus amigos a música, e pela primeira vez na vida, toquei uma música no violão. No meu quarto. Com as portas fechadas.
Mas toquei. E sim, com um vestido bonito.
Com o passar do tempo, me aventurei um pouco mais na guitarra, mas não era mesmo para mim. Estudei mais o violão, aprendi Ukulele, o que foi consideravelmente mais macio e proporcional a minha mãozinha, e eu me sentia feliz com o pouco que sabia para tocar no meu quarto fechado ou em pequenas reuniões de amigos. Ainda preferia – e prefiro – ouvir o Gui tocar, pois é a forma que a arte dele flui, e isso me encanta desde o início.
Até que na pandemia, quis aprender piano. Gosto de ver quantas habilidades surgiram nesse período, por mais que as circunstâncias do mundo fossem dolorosas. O tempo para dedicar a si mesmo era encantador. O mundo parado diminuiu a sensação de pressa, para aqueles que tiveram a sorte de ficar em casa no Home office.
Gui me deu um teclado no natal de 2020, e comecei a fazer aula particular com a Stella Spinillo (caso você queira também). Assim como a escrita me escolheu como forma de expressão artística, sinto que no final das contas, o piano me escolheu para ser meu instrumento.
Não que eu seja primorosa ou digna de um palco com ele, mas há uma conexão e um amor especial entre tentar, errar, aprender e conseguir. Uma satisfação que só vem após horas de dedicação, estudo e carinho no que se faz.
No final das contas, fez perfeito sentido. Eu uso um teclado no computador para contar minhas histórias, escrever meus livros e principalmente, colocar a mente em ordem, e uso um teclado para estudar música e ver como essa partezinha de mim se manifesta e me completa.
Eu precisei ver mulheres tocando um instrumento para pensar que eu poderia tocar também. Descobri que é possível ser uma princesa da Disney, uma Rock Star e uma almofada (nos dias meio blé) ao mesmo tempo.
Pois sempre estamos vivendo nossa própria história. Ninguém escapa disso, mas é fundamental selecionar quais histórias estamos vivendo enquanto escrevemos a nossa.
Seja nos artistas que acompanhamos, nos filmes, séries, músicas, quadros ou livros que admiramos, temos que pensar: “como isso me aproxima mais de quem eu realmente sou?”
Com isso em mente, você pode pensar: “ok, e como me torno esse alguém?”
E daí, você coloca em prática uma vezinha na semana. Depois, 10 minutinhos por dia.
É impressionante a quantidade de milagres que são realizados se a gente for um pouco teimoso em realizar os próprios sonhos todos os dias.
Assim você poderá mostrar ao mundo, que não foi só uma fase. E se for, preparem-se, pois já já vem outra.
Obrigada por chegar no final dessa carta, nos vemos na próxima ou se me acompanhar nas redes sociais @fadadesaturno
Minha vozinha sempre me disse pra fazer eu de canto. Ja fiz teclaro quando criança, mas minha (infeliz) preguiça ganhou e eu não me deciquei como queria, pq no caso era sim, apenas uma fase. Mas o canto nunca saiu da minha cabeça, e temho noção zero de música, talvez por isso que nunca fui atrás, sindrome do impostor sabe? Quem sabe um dia ⚘️
Pois também fui uma adolescente fã de Avril Lavigne, Evanescencr, System of a Down e Linkin Park (não que isso tenha mudado hahah). Quando criança, meus pais incentivaram meus lados artísticos, mas a literatura foi a que mais fluiu. Ainda assim, sinto saudades de tocar de novo um piano ou quem sabe (reaprender) a cantar.