Percebi que a Substância é um reconto macabro de Branca de Neve (e isso mudou minha vida!)
Como um conto de fadas às avessas mostra o quanto projetamos a solução dos nossos problemas a magia.
Confesso, assisti “A Substância” na véspera do Oscar. Parte por ter muito medo de body horror, parte por estar mais barato no streaming, e parte para dizer que a Fernanda Torre teve a melhor atuação do ano (da década, do século) com propriedade.
Claro que a essa altura, eu conhecia a premissa da história e o inevitável arco de queda da personagem. Esse post não é uma análise cinematográfica, nem um comentário sobre a premiação ou a performance das atrizes. É sobre o que encontrei enquanto assistia.


Entrei esperando uma ficção científica de terror, terminei com um conto de fadas diante de mim.
Recapitulando “A Branca de Neve”, a história mostra a vontade da Rainha Má em continuar sendo a mais bela de todo o reino, recorrendo a um conselheiro mágico que projeta a imagem de quem ela é e de como o mundo a vê: O espelho mágico.
A rainha, que nunca teve um nome ou um passado apresentado na história, representa um cargo que inevitavelmente as mulheres assumem na vida adulta: cuidar de seu castelo (seu lar), sua coroa (sua carreira), e claro, de sua aparência física. Infelizmente, a sociedade não suporta o fato das mulheres envelhecerem. Nos ensinam que a beleza é um valor alienável, e até termos como “pretty privilegie” foram cunhados recentemente constatando o quanto oportunidades podem ser mais frutíferas porque alguém é agradável aos olhos em um determinado padrão de beleza.
Nessa análise, a rainha seria a personagem da Demi Moore, Jennifer.
A Branca de Neve, para o espanto de zero leitores nesse artigo, é a Sue, interpretada por Margaret Qualley.


Percebe como a Jennifer cria a Sue, assim como a Rainha cria a Branca de Neve? Não no caso literal como no filme, mas a Rainha que estabelece o papel que a Branca de Neve tem na sua vida, como uma rival ao seu bem mais precioso. A Rainha perguntava frequentemente “quem é a mais bela de todas”, e se ela perguntava, na minha opinião, é porque sabia que a resposta poderia mudar.
Agora é que fica interessante: o Espelho Mágico, é representado pelo dono do show e seus acionistas, que são quem definem o que está sendo refletido e quem representa melhor o que quer ser visto.
E ainda temos mais elementos de contos de fadas! Conversando com meu bom amigo formado em Cinema, diretor de clipes e padrinho da minha gata, Allan Caju, ele me abriu os olhos para outro acontecimento.
Uma característica comum dos contos de fadas é a presença de um ser mágico que interfere quando o protagonista tem um problema para ajuda-lo a realizar seu sonho e ter um final feliz. O termo fada-madrinha é amplamente conhecido nesse caso. E justamente quando a Jennifer mais precisa, aparece um personagem com a solução imediata para seu problema.
Outro elemento presente, são as regras simples de serem seguidas:
A meia-noite o encanto acaba; O beijo do amor verdadeiro quebra o feitiço; Deve fazer a troca a cada 7 dias.
Quando assisti o filme, achei estranho a forma que a Sue surgiu, das costas de uma mulher, e também não entendi toda a manutenção com alimentos e seringas hiper fáceis de manusear. Quando comentei com meu marido, ele disse para relevar, afinal era um filme de terror com ficção científica. Só que não. Era magia.
Toda a lógica e estrutura de como as coisas funcionavam na história, era pura mágica. Engana-se quem acredita que esse é um artifício invocado apenas para provocar deslumbre e bondade. Até a própria cor da Substância me lembrava o verde ácido da maçã da Branca de Neve, além da transformação da bela Rainha em uma Bruxa ser impossível de ignorar.


Eu entendo que o filme traz diversos outros comentários, sobre a pressão estética nas mulheres, os recursos invasivos na indústria da beleza, a pressão social de permanecer jovem para sempre como se fossemos vampiros e não seres humanos e o fato de o que fazemos na nossa juventude acaba refletido nas décadas seguintes. Mas como demorei para assistir o filme, não acho que caberia a mim rodopiar por tópicos tão brilhantemente discutidos no timing certo.
Sei que sou a maluca que gosta de transformar tudo que vejo em contos de fadas, e que isso reflete imensamente minha maneira de interpretar e reagir ao mundo, mas não me incomoda nem um pouquinho.
Contos de fadas existem para alertar as crianças sobre o mundo em analogias fantasiosas demais para que seja compreendido ainda em terna infância.
Acho que por isso, A Substância é um conto de fadas para jovens e adultos, onde mostra que a Branca de Neve e a Rainha Má são a mesma pessoa.
Pois muitas vezes, nós somos quem mais nos cuidamos e mais nos prejudicamos. Temos o potencial de nos tratar da melhor forma possível, e já estamos carecas de saber que basta uma alimentação ok, beber água e usar filtro solar já faz maravilhas pelo nosso corpo, além de ter contato com a natureza e interagir com pessoas legais.
Pode não ser o segredo da beleza eterna, mas é o segredo de uma vida longa e feliz.
Talvez você não precise conversar com seu Espelho Mágico: nesse exemplo sendo nossas redes sociais, cultivando nossas inseguranças ou buscando aprovação de quem não vale a pena.
Talvez você só precise acreditar e finalmente entender, que você por si só já é toda a magia que necessita. Que você diz para o Espelho, e ele repete de volta.
Não ao contrário.
O estabilizador da Substância, como vimos no filme, é algo que existe dentro de você, e só o equilíbrio traz a felicidade, quando entendemos que todas as suas versões são dignas de viver e de serem amadas.
Talvez no final, você não seja nem a Rainha Má nem a Branca de Neve.
Você é a fada madrinha.
Obrigada por lerem até aqui! Vocês podem conhecer meus livros no meu site e me acompanhar de pertinho nas redes sociais @fadadesaturno
Não tinha parado pra pensar nisso, mas faz total sentindo!!! Realmente é a mesma história da Rainha Má